O café é a segunda bebida mais consumida pelos brasileiros, mas em 2021 o sabor da bebida ficou mais amargo. No ano, o café em grão já subiu mais de 110% segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), e a tendência é que o produto continue a subir em 2022, podendo chegar ao valor mais alto em 25 anos.
A alta nos preços está ligada a uma série de fatores. Há, primeiro, os danos climáticos na safra 2021-2022, mas também uma produção pequena em 2020-2021, uma demanda que cresceu na pandemia e custos de produção maiores com a alta do dólar.
O cenário não é exclusivo do Brasil, e problemas de produção em outros grandes produtores, como Colômbia e Vietnã, também impactam nos preços. Criou-se, com isso, o que Celírio Inácio, diretor-executivo da Abic, considera ser um cenário raro, de grande especulação em torno dos preços do produto.
Segundo Inácio, o café é uma planta perene, que não costuma passar por grandes alterações de produções que levem a altas nos preços. Com isso, as crises ligadas ao produto são mais raras, e espaçadas temporalmente. Mas existe um fator em comum a elas: a causa é climática.
A última grande crise do café foi em 1994, quando uma geada atingiu os estados de Paraná e São Paulo, que na época ainda eram os maiores produtores. A saca do café ultrapassou US$ 200 à época com a queda na produção.
Antes disso, a chamada “geada negra”, também no Paraná, afetou a produção das safras para 1975, 1976 e 1977, e o cenário piorou com a disseminação de uma doença chamada ferrugem alaranjada. Com isso, a saca chegou a US$ 400.
Antes disso, em 1969, outra geada levou à perda de até 70% da safra daquele ano. Outra grande crise foi a da década de 1930, quando houve uma superprodução do produto, a oferta superou a demanda e os preços caíram.
O Brasil era o maior produtor mundial de café naquele período, com o produto com peso grande na economia, e o governo de Getúlio Vargas decidiu comprar e queimar estoques de café para manter os preços altos.
Comparativamente, a crise atual do café está seguindo o caminho das anteriores. Inácio afirma que, atualmente, a saca do café está em torno de R$ 1.200, ou cerca de US$ 213, em linha com preços de episódios anteriores.
A análise dos preços do café leva em conta, primeiro, o fato dele ser um produto de cultura bianual. Ou seja, uma produção ruim em 2021 tende a impactar a de 2022, e a recuperação é vista apenas em 2023.
André Rolha, analista da Venice Investimentos, afirma que a falta de chuvas e as geadas no Brasil afetaram quase 589 mil toneladas de café, em especial em São Paulo e Minas Gerais, estado que concentra cerca de 50% da produção do grão.
A perspectiva ruim para a safra 2021-2022 se soma a uma produção baixa na safra de março de 2020 a setembro de 2021. “A safra passada [2019-2020] foi recorde, mas tivemos um aumento do consumo interno com a pandemia e um recorde na exportação. Ela foi em torno de 60 milhões de sacas. Essa safra foi menor, não deve passar de 47 milhões de sacas”, afirma Inácio.
A produção baixa e a perspectiva de números também reduzidos em 2022 criam um cenário especulativo, com os preços da safra 2021-2022 já sendo afetados. “Dependendo de como impacta o solo, a raiz, o produtor pode antecipar a produção e estocar prevendo uma alta de preços, e isso já tem sido repassado ao consumidor”, afirma Rolha.
Além das geadas, outro aspecto que tem afetado os preços do café é a alta do dólar. Por um lado, o real desvalorizado estimula os produtores a exportar o café, já que a lucratividade é maior, mas a baixa oferta no mercado interno faz os preços subirem.
Ao mesmo tempo, um dólar mais elevado encarece os custos de produção. “O dólar saltou de US$ 5,20 para US$ 5,70, e esse peso reflete na cadeia de precificação, porque insumos, defensivos e combustíveis são importados”, diz o analista.
Inácio cita como exemplo os defensivos agrícolas, que já subiram mais de 120% em 2021. Os produtores acabam repassando parte desses custos maiores para os consumidores, buscando manter ao menos parte das margens de lucro.
A combinação de represamento do que já foi produzido com espera pela melhor hora para vender, produção menor, demanda maior, impactos climáticos na próxima safra e o dólar valorizado está fazendo o preço do café chegar a níveis recordes.
Há, ainda, fatores externos ao Brasil. Segundo Inácio, “países produtores como Vietnã, Colômbia e Etiópia já declararam uma produção menor de safra. A Colômbia nem conseguiu entregar toda a quantidade prometida para exportação. Com isso, o mercado e os preços dispararam externamente e internamente”.
A expectativa, para ele, é que o mundo “consuma mais café brasileiro” em 2022 para compensar essas baixas, mas isso ocorre em detrimento da oferta no mercado interno.
Segundo o diretor-executivo da Abic, a perspectiva ainda é de alta nos preços. “Tivemos até uma boa notícia com a florada do café nas últimas semanas com boa chuva, e sem isso o café estaria ainda mais caro. É um bom indício, mas não é certeza”.
O problema, porém, é que não há perspectiva de o dólar baixar, e a tendência é que o consumo do café continue a subir, ou se mantenha no nível elevado, em meio a uma queda dos estoques em todo o mundo, incluindo no Brasil.
Os Estados Unidos, maior consumidor mundial, devem ter uma demanda maior, atraindo as vendas. A perspectiva, com isso, é que os fluxos de oferta e demanda fiquem desequilibrados, com os preços subindo.
“O produtor fica atento ao que paga mais. Nós brasileiros somos o maior produtor, e o segundo maior consumidor. A exportação deveria estar disparada, mas há problemas como frete marítimo até cinco vezes maior e falta de contêiner, então, o café prometido para exportação ainda nem foi exportado devido a isso, mas ele já tem dono”, diz Inácio.
Levando em conta esse cenário, Rolha afirma que 2022 deve ter a máxima em 25 anos do preço do café no Brasil. “Se considerar que vimos no ano uma saca até R$ 600 o quilo, o vencimento em dezembro já estão a R$ 1.300 a saca do café arábico. O preço tem espaço para subir ainda mais”.