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Trigo transgênico no Brasil: o que muda com a liberação do plantio e quais as críticas à medida

O trigo HB4 foi desenvolvido pela empresa argentina Bioceres e é resistente à seca e ao agrotóxico glufosinato de amônio. Movimentos sociais afirmam que houve poucos estudos para liberação.

Publicada em 11/05/2023 às 08:47h

por G1


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 (Foto: REUTERS)

No início de março, o Brasil aprovou o plantio e a venda de uma variedade de trigo geneticamente modificada para resistir à seca, conhecida como HB4, e desenvolvida pela empresa argentina de biotecnologia Bioceres.

O que muda? O Brasil já importa a farinha com o trigo transgênico para o consumo humano desde novembro de 2021, mas, agora, os agricultores brasileiros vão poder plantar a semente no país. Com isso, o Brasil se tornou a segunda nação, depois da Argentina, a aprovar uma variedade para este fim.

O que é a HB4? É uma semente de trigo geneticamente modificada com o gene HaHB4, proveniente da planta de girassol e resistente à seca.

A variedade também é resistente ao agrotóxico glufosinato de amônio, herbicida aprovado no Brasil que mata plantas daninhas, quando é usado no início do plantio.

Quem aprovou? A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência, responsável por analisar a segurança do alimento para a saúde humana e meio ambiente. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 7 de março.

Já está liberado? Sim, o plantio está liberado. O Ministério da Agricultura está em processo formal para fazer os registros de Cultivares (RNC) e de Sementes e Mudas (Renasem) do trigo transgênico.

Somente para o consumo humano, o trigo HB4 já foi aprovado na Austrália, Argentina, Nova Zelândia, Indonésia, África do Sul, Colômbia, Nigéria e Estados Unidos.

Aprovação gerou reações diversas

Historicamente, o Brasil sempre dependeu da importação para conseguir abastecer o mercado interno com trigo. Por esse motivo, produtores nacionais veem na liberação da HB4 uma oportunidade de aumentar a produção brasileira, que já vem avançando nos últimos anos.

Mas teve quem não concordou com a medida. Mais de 10 organizações da sociedade civil, entre elas Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Associação Brasileira de Agroecologia (ANA), chegaram a pedir ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) para barrar a liberação e a importação do cereal transgênico, o que não aconteceu.

Essas associações alegaram que houve violações no processo de aprovação e que há falta de estudos sobre os perigos à saúde e ao meio ambiente.

O grupo também fez uma denúncia no Ministério Público Federal (MPF), que abriu um procedimento para apurar o pedido de revisão da liberação, considerando os impactos no meio ambiente. Por enquanto, o caso ainda não teve outros desdobramentos.

A CTNBio, por sua vez, afirma que a liberação foi feita após pesquisas (veja detalhes abaixo).

O fato é que a HB4 deve demorar para chegar no campo. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), estatal faz pesquisas voltadas para o campo, está testando se as novas sementes da Argentina têm tolerância à seca, no meio ambiente brasileiro.

O trigo transgênico é seguro?

A CTNBio afirma que o trigo transgênico é "seguro ao meio ambiente, à saúde humana e animal". Isso com base em "dados da literatura científica" e informações de especialistas, apresentados em uma audiência pública que a Comissão fez.

"Sob o ponto de vista ambiental e da saúde humana e animal, a gente considerou que ele [o trigo transgênico] é similar ao trigo convencional”, disse o presidente da CTNBio, Paulo Barroso, em entrevista à Agência Brasil, no dia 25 de março.

Contudo, a advogada da organização Terra de Direitos e integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) Naiara Bittencourt diz que não há estudos suficientes sobre a segurança do HB4 no Brasil.

"Os estudos que foram fornecidos pela empresa [Bioceres] foram realizados na Argentina e não em território brasileiro. [...] Os estudos que são realizados na Argentina não têm a mesma base necessária que é exigida pelo protocolo de Cartagena de Biossegurança, do qual o Brasil é signatário", afirma.

Segundo Naiara, o protocolo de Cartagena exige, por exemplo, uma análise dos impactos socioeconômicos do cultivo do trigo transgênico, e uma avaliação de risco para a saúde humana de todas as novas sequências de DNA inseridas no genoma do trigo.

Processo de aprovação e uso de agrotóxico

Além da falta de estudos, organizações sociais alegam que houve ilegalidade no processo de aprovação da semente. Isso porque a CTNBio teria apoiado a sua decisão técnica para liberar o plantio no mesmo processo administrativo que autorizou a importação do trigo.

"A Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005) é clara ao determinar que a análise de biossegurança e a decisão técnica devem se dar, caso a caso, segundo cada tipo de evento e conforme as distintas finalidades", destaca a carta das organizações sociais, enviada à CNBS.

"É um agrotóxico perigoso e potencialmente cancerígeno, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Ele também tem algumas consequências neurotóxicas e pode afetar o sistema reprodutivo", diz Naiara.

O glufosinato de amônio é utilizado para o controle de ervas daninhas em diferentes lavouras. O agrotóxico é aprovado nos Estados Unidos, mas não na União Europeia, segundo dados da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês) e da Comissão Europeia.

Apenas o trigo convencional possui aprovação de uso deste herbicida, informou a Anvisa e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Para novas modalidades de uso, como no cultivo transgênico, o glufosinato de amônio deverá passar por análises das agências competentes (Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama), diz o coordenador da CTNBio, Rubens José do Nascimento.

Produtores são a favor da liberação

Associações de produtores ligadas à cadeia do trigo estão a favor da liberação do plantio da semente transgênica.

"Passado mais de um ano da aprovação da importação de farinha de TGM (HB4), não ocorreram manifestações contrárias, e pesquisas realizadas no período deram sinais de que os consumidores brasileiros não se opunham ao uso de transgênicos", disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), em nota.

Uma das pesquisas sobre o tema foi feita em 2022 pela Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi).

Nela, 72% dos brasileiros entrevistados responderam não ter restrição com o consumo de bolos, massas e biscoitos feitos a partir de farinha de trigo transgênico. A pesquisa ouviu 3.135 pessoas de até 69 anos, de 12 capitais das cinco regiões do Brasil.

A Abimapi, inclusive, era contra a medida, mas mudou de opinião após esse levantamento.

Expectativa dos agricultores

A Abimapi afirma ainda que a liberação do HB4 irá permitir o aumento da produção do trigo no Brasil, que já vem expandindo nos últimos anos.

De 2017 a 2022, houve uma alta de 76% na colheita do cereal, mostram dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Os principais produtores nacionais são os estados do Rio Grande do Sul e Paraná.

Apesar deste avanço, o Brasil ainda depende da importação para abastecer o mercado interno.

Para este ano, por exemplo, a Conab prevê que o país deverá produzir 10,5 milhões de toneladas de trigo, mas que precisará comprar mais 5,8 milhões de toneladas para atender o consumo interno.

O Brasil importa 85% do cereal da Argentina, sendo que, até março, apenas o trigo convencional era comprado. A área cultivada de trigo HB4 foi de mais de 50 mil hectares na Argentina, em 2022, mas ainda não atingiu escala comercial.

Vai ter trigo transgênico na próxima safra?

A expectativa para a próxima safra é de que, dificilmente, terá o plantio de trigo transgênico, já que as decisões ocorreram após as definições de compras de sementes, segundo Élcio Bento, que é analista da Safras & Mercado.

“Provavelmente não vai ter disponibilidade de grandes quantidades de sementes transgênicas no Brasil neste ano, mas a tendência é que isso comece a ganhar força, já que traz maior estabilidade na produção. Tudo vai depender da viabilidade econômica e melhores retornos para o produtor”, explica.

Além disso, a Embrapa está fazendo avaliações em campo para saber se as novas sementes argentinas possuem tolerância à seca em território brasileiro.

“Se os testes se mostrarem positivos, que é o que se espera, vamos passar para a fase da multiplicação de sementes para, só então, a solução tecnológica chegar ao produtor, que irá analisar se será viável economicamente no campo e se isso vai significar menos risco para ele efetivamente”, diz Jorge Lemainski, que é chefe-geral da Embrapa Trigo.

O chefe da Embrapa Trigo estimou que vai levar entre três e cinco anos para a nova semente produzir resultados no campo brasileiro.

 




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