A estiagem começa a ficar para trás, mas os seus efeitos ainda são sentidos no Rio Grande do Sul. Meses seguidos de chuvas abaixo da média deixaram 390 dos 487 municípios gaúchos em situação de emergência pelo efeito do clima mais seco, consequência do fenômeno La Niña, que ocorreu entre 2020 e fevereiro desde ano. Esse cenário significa que quase 80% das cidades do Estado recorreram ao decreto emergencial.
A falta de chuvas impôs mais uma safra de perdas enormes para o campo gaúcho com a quebra da produção em muitas cidades. Houve prejuízos importantes em todas as culturas, entre elas milho, soja, e na criação de gado de corte e produção leiteira. Levantamento do setor cooperativo mostrou que as perdas na soja serão de 43%. O percentual foi calculado depois de levantamento feito em março por 21 cooperativas gaúchas. A colheita de soja no Rio Grande do Sul está em andamento e, outra vez, será frustrada em parte do Estado.
De acordo com a Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul, em algumas regiões, como a das Missões, assim como na Metade Sul, as perdas passam de 70%, ou seja, quase totais. “Além do impacto na agricultura e pecuária, os meses de chuva mais escassa desde a metade do ano passado, exceto por períodos de maior instabilidade localizados que evitaram perdas de maior proporção em parte do Rio Grande do Sul, os efeitos da estiagem ainda se sentem no abastecimento de água”, de acordo com a meteorologista Estael Sias, da MetSul.
Nenhuma cidade enfrenta situação tão crítica quanto Bagé, na região da Campanha. Neste mês, o racionamento de água que era de 15 horas diárias passou para 18 horas por dia sem água nas torneiras. As principais barragens da cidade estão com níveis críticos. “Uma persistência ainda por meses do quadro de precipitações abaixo da média histórica levaria a cidade da Campanha ao colapso do abastecimento de água.”
Outros municípios do Sul gaúcho também enfrentam situação hidrológica crítica. Hulha Negra, na região de Bagé, também passa por racionamento de água, que começou ainda em 2022. Muitas comunidades são abastecidas por caminhões-pipa há meses. Caçapava do Sul viu as suas duas barragens atingirem níveis excepcionalmente baixos e medidas emergenciais foram adotadas para garantir o abastecimento da população.
Índices abaixo da média desde 2020
Três anos seguidos de precipitações abaixo da média levaram o Rio Grande do Sul à crise hídrica com perdas bilionárias no setor primário e crise no abastecimento de água em zonas urbanas e rurais. O padrão de resfriamento das águas superficiais do Oceano Pacífico na área equatorial, o fenômeno La Niña, afetou gravemente o regime de chuva do estado. Ondas de calor muito intensas no verão, especialmente em janeiro de 2022 e em parte do verão de 2023, acentuaram ainda mais as perdas no campo.
Normalização do clima no Estado levará meses
Uma estiagem não acaba em horas e tampouco em dias, mas às vezes chega ao fim em semanas. A regra, entretanto, é um processo que leva meses. Deve ser o caso do Estado. Os déficits acumulados de precipitação são tão elevados, perto ou acima de 1.000 mm, na maior parte dos municípios gaúchos que a normalização tardará meses, conforme a MetSul.
A chuva volumosa desta semana e do começo da semana que vem marca o começo deste processo de gradual recuperação hídrica no RS. A Metsul informou que os acumulados de chuva entre a segunda-feira e a manhã de ontem, portanto em 48 horas, somavam nas estações oficiais de 50 mm a 80 mm em diversas cidades. Estes volumes devem aumentar mais e em alguns municípios muito mais até segunda-feira.
Todos os dias até a segunda-feira da semana que vem devem ter chuva no RS, o que não significa que choverá em todos os municípios por uma semana seguida. “O primeiro momento de maior instabilidade e mais generalizado vai até hoje. Amanhã, embora chova ainda no RS, as precipitações perdem força e atingem número menor de localidades.” A Metsul estima que amanhã e sábado novas áreas de instabilidade, inclusive fortes, se formam. Por isso, amanhã e no fim de semana a chuva se intensificará e com altos acumulados. Só entre terça e quarta da semana que vem o tempo poderá de firmar.
Os acumulados de chuva previstos pelos modelos numéricos até o começo da semana que vem passam de 100 mm em muitos municípios. Algumas cidades devem ter mais de 200 mm e isoladamente pode chover de 250 mm a 300 mm em dias. A partir de agora a chuva tende a ficar mais regular. A MetSul explica que, à medida que o inverno se aproxima, frentes frias e sistemas de baixa pressão tornam-se mais frequentes. Somam-se ainda as frentes quentes que são sistemas meteorológicos que são típicos do inverno e por regra trazem altos volumes de chuva para o Estado em situações de bloqueio atmosférico.
A MetSul ainda projeta o fim definitivo da estiagem para o segundo semestre. O inverno e a primavera deste ano terão um aumento significativo da frequência e magnitude dos episódios de chuva no RS com vários meses de precipitação acima e muito acima da média e eventos extremos de chuva. “Esta mudança de padrão passa pelas alterações das condições atmosférico-oceânicas na área do Pacífico Equatorial, que nos últimos três anos esteve sob La Niña e nos próximos meses vai estar com o evento de El Niño presente, que pode ter início oficialmente entre o final deste outono e o começo do inverno.”